A Vida Invisível e o Brasil denso e artístico no Oscar

poster filme a vida invisível
gênero: Drama
duração: 2h 19 min
ano de lançamento: 2019
estúdio: Canal Brasil, Pola Pandora Filmproduktions, RT Features
direção: Karim Aïnouz
roteiro: Murilo Hauser, Inés Bortagaray, Karim Aïnouz, Martha Batalha
fotografia: Hélène Louvart
direção de arte: Rodrigo Martirena


texto produzido para Central42


Década de 1950. Euridice e Guida são duas irmãs que vivem com os pais. Enquanto a primeira é uma pianista introvertida, a outra é expansiva e impulsiva. Quando Guida decide fugir com o namorado a vida das duas tomam rumos diferentes. A partir de então o filme A Vida Invisível passa a retratar essas histórias em paralelo.

Confesso que o que mais me instigou a ver esse filme foi o fato dele ter sido o indicado brasileiro ao Oscar no lugar de Bacurau. Antes de receber esta notícia eu nem sabia de sua existência. Inclusive, seu lançamento foi adiado para 21 de novembro pensando exatamente no calendário de campanha da premiação.

Mas o que A Vida Invisível tem de tão incrível para ter ido? Afinal, Bacurau atraiu um burburinho enorme em volta de si além de ter construído uma bilheteria impressionante para um filme nacional de gênero. São dois filmes tão distintos que não acredito ser possível comparar e me parece até mesmo desonesto tentar fazê-lo.

O que A Vida Invisível nos conta?


Acho que o primeiro ponto a ser observado, para entender o desenvolvimento deste filme, é o histórico do diretor. Karim Aïnouz é responsável ( como diretor ou roteirista) por muitas obras nacionais já consideraras cinema arte como "Abril Despedaçado", "O Céu de Suely", "Madame Satã","Cinema, Aspirinas e Urubus" e "Praia do Futuro".

Todas produções densas, talvez nem tanto em um roteiro muito cheio de reviravoltas, mas profundas em seus personagens e nas dimensões de suas emoções. Portanto, nada mais certo do que assistir a esse filme sabendo que não será um filme para sair extasiado ou esperando se divertir.

Isso claro, fica mais fácil já entrar na sessão sabendo que encontrará algo que mexa com seu emocional de uma forma intensa. Durante coletiva, inclusive, o diretor junto ao produtor Rodrigo Teixeira falaram sobre o desejo mútuo que tinham de produzir um filme nos moldes do folhetim, que rasgasse os corações dos espectadores. 



E é assim que o roteiro se desenvolve de forma simples mas tocante. A relação das irmãs e a importância de uma na vida da outra - ainda que afastadas - é viceral, também o é todas as questões sobre as opções de vida das mulheres nos anos 1950 e a forma como essas eram destinadas a trajetórias infelizes ou que as obrigavam a abdicar de seus sonhos.

Essa atmosfera é muito bem reforçada pelo trabalho de fotografia e direção de arte. Inclusive a paleta de cores é importantíssima para que a dramaticidade do enredo seja transmitido de uma maneira ainda mais efetiva.

Talvez meu único problema aqui tenha sido o som. Em alguns momentos a música de fundo se encontra mais alta que os diálogos, o que atrapalha o entendimento. Outra questão são os atores portugueses, ainda que seja a mesma língua, em certos momentos é quase impossível de compreender o que falam por causa da sua dicção.

Elenco é peça-chave para o filme acontecer


O elenco é a cereja do bolo. Julia Stockler e Carol Duarte, ainda que tendo poucas cenas juntas, constroem uma troca fraternal no olhar e nos gestos. Separadas transmitem muito bem seus sentimentos a cada situação sem precisar de palavras. 



Gregório Duvivier, como o próprio disse em coletiva de imprensa, representa o marido abusivo; porém, o mais interessante aqui é observar como isso não é feito de uma forma explícita violenta, mas através de um personagem que acredita estar fazendo o que é certo e o que lhe foi ensinado. Aliás, atenção a cena da noite de núpcias: constrangedora, levemente engraçada e ainda assim dolorida - quem nunca ouviu alguma mulher mais velha contando sobre a sua primeira experiência de forma tão bizarra? Ainda sobre isso, Carol Duarte não poderia soar mais verdadeira e natural do que construiu nessa cena.

Enfim, Fernanda Montenegro. Elogiar seu trabalho é chover no molhado. Porém é interessante observar que ela faz Euridice velha, personagem que vimos em 70% do filme nas mãos de Carol Duarte. E, ainda que não tão parecidas fisicamente, a sensação que fica é a de que o tempo passou e estamos vendo a mesma atriz com mais idade. Ela tocou neste assunto durante a coletiva dizendo que é visível que a personagem Euridice se suicidou ao abrir mão de seus sonhos, que ela viu isso transmitido pela forma de olhar que a Carol Duarte trouxe a personagem e que foi a partir de trazer esse olhar que ela desenvolveu a sua fase da personagem.

Mas e a indicação ao Oscar?


Sim, eles conseguiram desenvolver um folhetim tocante e de qualidade. Um filme que provavelmente fale com mais pessoas de forma global do que Bacurau - por mais que este último talvez, esteticamente, agrade mais o público em geral e aos americanos.

Como já dito, seu lançamento foi adiado para 21 de novembro para se adequar a agenda de divulgação da premiação e acredito ser muito importante dar essa força ao filme.

Talvez ele pareça em alguns aspectos muitos artístico ou aquele filme denominado como "de autor". E pode até ser que seja. Mas seu enredo fala com todos e com certeza toca a todos. Se não rasgar seu coração como deseja o diretor, pelo menos sairá da sessão com uma dor na alma.

Eu acredito na excelência e na capacidade de A Vida Invisível nos representar no Oscar.


CLASSIFICAÇÃO: ÓTIMO


Poster e Ficha Técnica: IMDb


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